Em uma transmissão nacional, Fernando Haddad anunciou medidas de corte de despesas, além de confirmar a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem recebe até R$ 5 mil. O ministro reforçou o “compromisso com a sustentabilidade fiscal do país”.
Após mais de um mês de espera e várias reuniões entre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e ministros importantes do governo, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, divulgou as principais ações do pacote de corte de gastos do governo federal, que geraram grande expectativa e tensão no mercado.
Haddad declarou que o pacote fiscal deve gerar uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos.
“Essas ações vão proporcionar uma economia de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos, reforçando o compromisso do governo com a sustentabilidade fiscal do Brasil”, afirmou o ministro.
Em um discurso de 7 minutos e 18 segundos, transmitido em rede nacional de TV na noite desta quarta-feira (27), o ministro detalhou as medidas iniciais do pacote e também confirmou que, a partir de 2026, o governo isentará do IR os contribuintes com renda de até R$ 5 mil mensais. Atualmente, a isenção é para quem ganha até R$ 2.259,20 por mês.
A elevação da faixa de isenção do IR é uma promessa de campanha do presidente Lula e, de acordo com fontes do Palácio do Planalto, tornou-se uma prioridade do presidente desde o início de seu terceiro mandato, em janeiro do ano passado.
Como contrapartida ao aumento das despesas devido à ampliação da faixa de isenção, o governo propõe a taxação de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil por mês, valores que hoje estão isentos. O Planalto estima que essa taxação compense completamente o aumento de gasto com a ampliação da isenção do IR.
“Hoje anunciamos a maior reforma de renda da nossa história. Cumprindo os compromissos assumidos por Lula, uma parte significativa da classe média, que ganha até R$ 5 mil mensais, não pagará mais imposto de renda”, afirmou Haddad.
Segundo o ministro, a isenção “não aumentará os gastos do governo”. “Essa nova medida não terá impacto fiscal, ou seja, não elevará os gastos do governo, pois aqueles com renda superior a R$ 50 mil por mês pagarão um pouco mais”, explicou.
Ambas as medidas dependem da aprovação do Congresso Nacional.
O ministro da Fazenda também anunciou ações voltadas para o controle dos gastos públicos, uma das maiores preocupações dos agentes econômicos. As principais incluem:
- Inclusão do reajuste do salário mínimo nas limitações do arcabouço fiscal;
- Proposta para eliminar os “supersalários”, ou salários acima do teto constitucional;
- Convocação para que beneficiários de programas sociais, como o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC), atualizem seus dados, caso não o tenham feito nos últimos dois anos;
- Alterações nas regras de aposentadorias e pensões dos militares, como o fim da “morte ficta” (pagamento de pensão a parentes de militares expulsos das Forças Armadas);
- Definição de uma idade mínima para aposentadoria dos militares (55 anos), com uma regra de transição.
De acordo com as estimativas da equipe econômica, as medidas do pacote fiscal devem gerar uma economia de R$ 30 bilhões a R$ 40 bilhões por ano.
Salário Mínimo e Revisão de Programas Sociais
No pronunciamento, Fernando Haddad não forneceu detalhes sobre o pacote fiscal, o que ocorrerá apenas na quinta-feira (28), quando o ministro participará de uma coletiva de imprensa.
Haddad explicou que o reajuste do salário mínimo será limitado a 2,5% ao ano, além da inflação. A regra atualmente em vigor calcula o aumento do mínimo com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) de 12 meses (de dezembro do ano anterior a novembro do ano atual), mais a variação do Produto Interno Bruto (PIB) do ano anterior.
Na prática, isso significa que, caso o PIB do Brasil cresça mais de 2,5% nos próximos anos, o reajuste do salário mínimo será menor, em comparação com as regras atuais.
Outra medida considerada “impopular” por membros do governo é a maior restrição ao abono salarial (uma espécie de 13º salário pago a trabalhadores formais que ganham até dois salários mínimos, ou R$ 2.824,00).
A proposta que será enviada ao Congresso prevê que o abono será concedido a quem recebe até R$ 2.640,00. Nos próximos anos, esse valor será progressivamente reduzido para quem recebe até um salário mínimo e meio por mês.
“Para atender as famílias mais necessitadas, o abono salarial será garantido para quem recebe até R$ 2.640,00. Esse valor será ajustado pela inflação nos próximos anos e se tornará permanente quando corresponder a um salário mínimo e meio”, explicou Haddad.
O governo acredita que, com essa medida, o benefício ficará mais concentrado nos mais pobres. Atualmente, um número crescente de pessoas se beneficia do abono, impulsionado pela valorização do salário mínimo.
Outra proposta apresentada pelo Ministério da Fazenda visa aprimorar a revisão das políticas sociais, buscando minimizar possíveis irregularidades. Uma das ideias é a adoção de biometria. Além disso, o prazo para a revisão do cadastro será reduzido de 48 para 24 meses.
Aposentadoria dos Militares e Combate a Privilégios
Durante o pronunciamento, o ministro também mencionou as mudanças nas regras de aposentadoria dos militares, incluídas no pacote a pedido de Lula. O governo estabelecerá uma idade mínima, com uma regra de transição para as aposentadorias, além de eliminar as pensões por “morte ficta” (quando familiares de militares expulsos recebem pensão).
Haddad também destacou que as medidas do pacote fiscal visam combater privilégios incompatíveis com o princípio da igualdade. “Vamos corrigir excessos e garantir que todos os agentes públicos se submetam ao teto constitucional. Juntos com o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional, vamos aprimorar as regras do orçamento”, afirmou.
Ele acrescentou que o valor das emendas parlamentares crescerá abaixo do limite das regras fiscais, e 50% das emendas de comissão serão direcionadas obrigatoriamente ao Sistema Único de Saúde (SUS). “Para garantir os resultados esperados, em caso de déficit primário, não será permitido criar, ampliar ou prorrogar benefícios tributários”, concluiu.
Resistência ao Pacote
As discussões sobre o pacote de corte de gastos se arrastaram por mais de um mês. O anúncio, inicialmente esperado logo após o segundo turno das eleições municipais, só foi feito após intensas reuniões diárias entre Lula e os ministros, que discutiram as medidas fiscais. Na última semana, o presidente pediu que Haddad adiasse uma viagem oficial à Europa para ficar em Brasília e tratar do pacote fiscal.
Alguns ministros de áreas sociais, como Wellington Dias (Assistência Social), Carlos Lupi (Previdência) e Luiz Marinho (Trabalho), resistiram fortemente ao ajuste fiscal. Marinho, por exemplo, expressou sua insatisfação publicamente, afirmando que não havia sido consultado sobre mudanças no seguro-desemprego, no abono salarial e na multa de 40% por demissão sem justa causa.
Lupi também ameaçou deixar o governo caso as medidas afetassem os benefícios previdenciários, que considera “direitos adquiridos”, ou alterassem a política de aumento do salário mínimo.
Projetos Enviados ao Congresso
Na tarde de quarta-feira (27), Lula e Haddad apresentaram as medidas aos presidentes do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL). O ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT), e o ministro de Relações Institucionais, Alexandre Padilha (PT), também participaram da reunião.
O governo enviará ao Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC) e um Projeto de Lei Complementar (PLC) com as medidas fiscais. Lula e Haddad esperam que ambos os projetos sejam aprovados ainda neste ano, embora haja incertezas devido à agenda legislativa cheia.
Expectativa do Mercado
Segundo a 59ª rodada do Barômetro do Poder, realizada pelo InfoMoney, as projeções para o impacto fiscal das medidas variaram de R$ 10 bilhões a R$ 50 bilhões. A média estimada foi de R$ 29,94 bilhões, refletindo a incerteza no mercado sobre os resultados dessas medidas.
O mercado aguardava com ansiedade o pacote de controle de despesas, que visa reforçar a sustentabilidade fiscal e reduzir o ceticismo fiscal dos agentes econômicos, especialmente em relação ao cumprimento do novo marco fiscal e à contenção dos gastos obrigatórios, que representam mais de 90% do orçamento federal.